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A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NOS EXECUTIVOS FISCAIS Destaque

Apontamentos sobre o atual sistema construído pelo STJ no julgamento do REsp 1340553/RS

07 Ago 2019 0 comment
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No final de 2018, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sede de recurso repetitivo, no julgamento do REsp 1340553/RS, definiu várias teses jurídicas a respeito da configuração da prescrição intercorrente nas ações que tramitam sob o rito da Lei Federal nº 6.830/1980 (LEF), que dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências.

Apesar da ementa do acórdão proferido no mencionado julgamento ser extensa, ela não conseguiu retratar de forma integral a extensão, o alcance e a profundidade das teses jurídicas definidas em tal recurso repetitivo, assim como também não abordou todas as causas de suspensão e interrupção da prescrição intercorrente, sendo oportuno transcrever abaixo a advertência feita pelo Min. Mauro Campbell Marques,ao proferir seu voto no bojo do EDcl no REsp 1340553/RS:

“Por fim, deve-se compreender que o repetitivo julgado não tem a pretensão de exaurir todos os problemas referentes à aplicação da prescrição na Lei de Execuções Fiscais no país.

O Poder Judiciário não é órgão de consulta jurídica (ainda que algumas vezes disso se aproxime no caso de julgamentos de demandas com maiores contornos objetivos, como no caso dos recursos repetitivos). Deve-se sempre ter por ponto de partida a solução do caso concreto. As demais questões apontadas por omissas deverão ser solucionadas de forma casuística a cada processo mediante distinção justificada e, acaso se tornem repetitivas, deverão assim ser processualmente tratadas em outros repetitivos. À toda evidência, é impossível esgotar as hipóteses dos efeitos processuais de cada tipo de recurso e de cada tipo de processo sobre o fluxo do prazo da prescrição intercorrente da LEF nestes autos.

Esses casos deverão ser examinados consoante os efeitos que lhes são atribuídos pelas leis próprias que os estabelecem, notadamente o CPC/73 e o CPC/15 (nas partes que tratam dos efeitos dos recursos e suspensão do processo), em cotejo com a LEF, cada qual a seu tempo e oportunidade.”

Visto isso, o primeiro passo para compreensão do tema ora tratado é deixar consignado que a prescrição intercorrente tem natureza jurídica de direito material e deve observar os prazos previstos em leis substantivas, inclusive quanto a seu termo inicial, como, por exemplo, no Código Tributário Nacional (CTN), Código Civil (CC), em legislações específicas, ou, não havendo previsão específica, sujeitar-se à regra contida no art. 1º, do Decreto 20.910/1932.

Por ter natureza jurídica de direito material, o prazo da prescrição intercorrente é contado em dias corridos, sendo, portanto, sua fluência mais ligeira do que a marcha processual, que se move, atualmente, em dias úteis.

Outro ponto de relevo a ser destacado é que o STJ, no julgamento do REsp 1340553/RS, alterou seu posicionamento anterior, que exigia, para a configuração da prescrição intercorrente, a conjugação de dois fatores, notadamente, o decurso do lapso prescricional legalmente previsto e a caracterização de inércia, culpa, atribuída à Fazenda Pública exequente.

Agora, no novel entendimento do STJ, não é mais exigível a caracterização de inércia, de culpa, atribuída à Fazenda Pública, bastando, tão somente,o decurso do lapso prescricional material legalmente previsto, uma vez que no sistema atual da prescrição intercorrente, caracterizadas determinadas situações processuais, que abaixo serão elencadas, inicia-se automaticamente a contagem do prazo prescricional, independente da observância ou não pelo magistrado do seu dever de declarar ter ocorrido a suspensão da execução fiscal respectiva, nos termos do art. 40 e parágrafos da LEF.

No atual sistema de prescrição intercorrente construído pelo STJ no julgamento do REsp1340553/RS, os prazos foram segmentados em duas partes.

A primeira parte, que em qualquer situação só ocorrerá uma vez, durará 01 (um) ano, podendo tal prazo ser interrompido ou suspenso, se iniciará, automaticamente, na data da ciência/intimação da Fazenda Pública a respeito da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis no endereço por ela fornecido, observadas as seguintes regras temporais:

– Nos casos de execução fiscal para cobrança de dívida ativa de natureza tributária, cujo despacho ordenador da citação tenha sido proferido antes da vigência da Lei Complementar n. 118/2005, depois da citação válida, ainda que editalícia, logo após a primeira tentativa infrutífera de localização de bens penhoráveis, iniciará, automaticamente, a fluência do prazo prescricional;

– Em se tratando de execução fiscal para cobrança de dívida ativa de natureza tributária, cujo despacho ordenador da citação tenha sido proferido na vigência da Lei Complementar n. 118/2005, e de qualquer dívida ativa de natureza não tributária, logo após a primeira tentativa frustrada de citação do devedor ou de localização de bens penhoráveis, iniciará, automaticamente, a fluência do prazo prescricional.

Ainda no que toca a esta primeira fase, relevante se mostra deixar consignado, conforme consta no voto-vista do Ministro Herman Benjamin (REsp 1.340.553/RS), que, por força da regra contida no art. 7º, I, da LEF, nos casos de citação via postal frustrada, não se iniciará automaticamente o prazo de 01 (um) ano, devendo o Juiz, por uma questão de coerência jurisprudencial, ordenar que a citação seja realizada por Oficial de Justiça, pois, nos termos da Súmula 414, do próprio STJ, o devedor somente poderá ser considerado como não localizado, no endereço fornecido pela Fazenda Pública, quando frustradas as citações pelo correio (art. 8º, I, LEF) e por Oficial de Justiça (art. 8º, III, LEF).

O raciocínio acima também se aplica aos casos de citação por Oficial de Justiça, nos quais é certificado que o devedor não se encontra temporariamente no momento da diligência citatória ou quando houver suspeita de ocultação do executado.

Passando para a segunda parte, esta tem por termo inicial o fim da primeira fase, com o decurso total, computadas as interrupções e suspensões, do prazo de 01 (um) ano, sendo o termo final desta segunda parte o decurso integral do lapso prescricional material legalmente previsto, tendo em conta o respectivo crédito perseguido.

No que tange à interrupção e suspensão do curso da prescrição intercorrente, ao analisar o caso concreto, deverá o Juiz levar em conta, para fins de delimitação dos marcos legais que foram aplicados na contagem do respectivo prazo, todas as causas e efeitos legais da suspensão e interrupção da prescrição material, previstas no CTN, CC e demais legislações específicas, bem como as causas de suspensão do processo constantes no Código de Processo Civil e outras leis adjetivas, como, por exemplo, as causas apontadas nos artigos 220, 221, parágrafo único, 313 e 315 do CPC/15 (AgInt no REsp 1781693/PR), os dispositivos equivalentes insertos no CPC/73, o recebimento de impugnações, incidentes, embargos à execução fiscal (Resp 573.769/MT) ou recursos com efeito suspensivo, a determinação de suspensão nacional (arts. 1.035, §5º, e 1.037, II, CPC), estadual ou regional (art. 982, I, CPC) de processos, individuais ou coletivos, etc.

Além das causas interruptivas acima apontadas, os Ministros do STJ também declararam que a efetiva constrição patrimonial (penhora, depósito em dinheiro, habilitação do crédito em processo falimentar (REsp1682552/SP e AgRg no REsp 1393813/RS) ou o oferecimento de seguro garantia ou fiança bancária) também se mostra apta a interromper o curso da prescrição intercorrente, ficando, após tal interrupção, suspenso o fluxo prescricional até que ocorra alguma das seguintes situações, momento a partir do qual, caso o crédito não tenha sido integralmente satisfeito, se iniciará novo ciclo da contagem do prazo da prescrição intercorrente: a expropriação do bem constrito por qualquer via legalmente prevista, a conversão em renda do depósito em dinheiro ou dos valores oriundos do seguro garantia ou da fiança bancária, a adjudicação do bem penhorado ou quando seja expressamente declarada, por qualquer motivo, a desconstituição da constrição patrimonial antes efetivada (impenhorabilidade do bem, perecimento ou desaparecimento deste, pedido de desconstituição da constrição pela Fazenda Pública, arrematação do mesmo bem em outra ação, sentença de procedência em embargos de terceiro, etc.).

Quanto à interrupção da prescrição intercorrente, especialmente a ocasionada pela efetiva citação ou constrição patrimonial, esta também se concretizará se tais atos ocorrerem após escoado o prazo total da prescrição material legalmente previsto no caso concreto, desde que os respectivos requerimentos tenham sido efetuado antes de tal prazo ter se consumado, considerando-se interrompida a prescrição intercorrente, retroativamente, à data do protocolo da petição na qual anteriormente havia sido solicitada a providência frutífera.

Ainda no que se refere à interrupção e suspensão da prescrição intercorrente, importante ressaltar que no julgamento do REsp 1340553/RS, o STJ, independente de se tratar de crédito tributário ou não tributário, tacitamente, deixou consignado que a regra contida no art. 202 do CC não se aplica a tal espécie de prescrição, podendo esta ser interrompida por várias vezes, sempre que ocorrer uma das causas interruptivas.

No que diz respeito à suspensão do fluxo da prescrição intercorrente, no corpo do acórdão proferido no REsp 1340553/RS, em vários momentos constou expressamente o alerta de que, por analogia, é aplicável à prescrição intercorrente a inteligência contida na Súmula 106/STJ, devendo ser levado em conta no computo do prazo prescricional, ocasionando a suspensão deste, a demora do Poder Judiciário para atender a requerimentos tempestivos efetuados pela Fazenda Pública.

De igual forma, usando o mesmo raciocínio, quando um juiz exceder o prazo legal para proferir um despacho, decisão interlocutória (AgInt no REsp 1698889/MA), sentença ou um serventuário ultrapassar o prazo determinado em lei para remeter os autos conclusos ou executar atos processuais, sempre deverá ser considerado suspenso o prazo da prescrição intercorrente, só voltando este a fluir após concretizado o ato processual a cargo do respectivo magistrado ou serventuário.

A assertiva acima encontra amparo nas norma fundamentais do processo civil, artigos 1° a 12 do CPC, pois da mesma forma que não se discute que os prazos outorgados aos magistrados e seus auxiliares são impróprios, inexistindo sanção processual para a hipótese de descumprimento, a inobservância de tais prazos também não pode trazer prejuízos as partes, conforme entendimento há muito consolidado pelo STJ, conforme se vê abaixo:

“Não há que se falar em prescrição intercorrente, se a paralisação da ação rescisória por mais de dois anos no tribunal estadual não se deu por culpa do autor, mas, sim, em virtude da complexidade da causa, combinada com a pletora de processo que assoberbam o Poder Judiciário.” (REsp 11.106/SC, Rel. Ministro ADHEMAR MACIEL, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/1997, DJ 10/11/1997, p. 57731).

“A prescrição intercorrente resultante da inação do autor não ocorre pela simples paralização do processo. Imprescindível o ato depender de iniciativa da parte. Esta não pode ser prejudicada pela omissão dos serventuários ou do magistrado.” (AR n 7/RJ, Rel. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, PRIMERA SEÇÃO, julgado em 29/09/1989, DJ 23/10/1989).

Noutro giro, como para a ocorrência da prescrição intercorrente não é mais exigível culpa, inércia, da Fazenda Pública, é razoável, por uma questão de equidade, independente da natureza do crédito, interpretar que a prescrição intercorrente consumada é renunciável (art. 191, CC), conforme já declarado pelo próprio STJ, no julgamento do AgInt no AREsp 1031289/SP.

Prosseguindo, reveladas as causas e formas de suspensão e interrupção da prescrição intercorrente, indispensável se faz destacar que compete à Fazenda Pública, quando instada a se manifestar, a qualquer tempo, sobre a ocorrência de tal prescrição, ainda que em sede de razões de embargos declaratórios ou de apelação, alegar e apontar todas as possíveis causas suspensivas ou interruptivas do prazo prescricional.

Por fim, questão que não pode ser deixada de lado é a relativa aos ônus sucumbenciais oriundos da extinção das execuções fiscais, quando ocasionada pela consumação da prescrição intercorrente.

Conforme já dito, no atual entendimento do STJ, não é mais exigível, para fins de computo do prazo da prescrição intercorrente, a caracterização de inércia, de culpa, atribuída à Fazenda Pública.

Desta forma, como uma das formas de início automático do fluxo da prescrição intercorrente se dá pela constatação da inexistência de bens penhoráveis, o julgador não pode desprezar que “considera-se atentatória à dignidade da justiça a conduta comissiva ou omissiva do executado que intimado, não indica ao juiz quais são e onde estão os bens sujeitos à penhora e os respectivos valores, nem exibe prova de sua propriedade e, se for o caso, certidão negativa de ônus” (art. 774, V, CPC).

Nesta linha, ante a um ato atentatório à dignidade de justiça, cabe ao juiz reprimi-lo (art. 139, III, do CPC), não podendo, em hipóteses alguma, premiá-lo, sempre tendo em mente que nos casos de extinção não resistida da execução fiscal, ainda que por provocação do executado, por ocorrência da prescrição intercorrente, dúvidas não restam que quem deu causa à demanda foi o devedor (art. 85, §10, CPC), não podendo a Fazenda Pública ser condenada ao pagamento de honorários advocatícios (REsp 1111002/SP, REsp 1.675.741/PR, REsp 1769201/SP, AgInt no REsp 1711219/SC), sob pena de violação ao princípio da causalidade e ao que reza que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza.

Assim, pelo exposto, feitos os necessários apontamentos a respeito da prescrição intercorrente nas ações que tramitam sob o rito da LEF, sem nenhuma pretensão de esgotar tal tema, por derradeiro, só resta lembrar que, conforme advertido pelo STJ (art. 927, III, CPC), os magistrado, ao reconhecerem a prescrição intercorrente, deverão fundamentar o ato judicial por meio da delimitação de todos marcos legais, inclusive os de interrupção e suspensão, que foram aplicados na contagem do respectivo prazo, sob pena de nulidade de tal decisão, nos termos dos incisos do §1°, do art. 489, do CPC.

Autor: Fernando Salzer – Procurador do Estado de Minas Gerais.
Fonte: Jota.

COMENTÁRIO DE OMAR AUGUSTO LEITE MELO: esse tema da prescrição intercorrente tem muitas particularidades e complexidades, que foram bem exploradas neste artigo. Vale a pena conferir!

Última modificação em Sexta, 07 Fevereiro 2020 09:45

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