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Fortaleza concede isenção inconstitucional de IPTU

Como se sabe, a Constituição da República de 1988 tentou moralizar algumas questões tributárias, acabando, por exemplo, com a isenção de imposto de renda prevista para magistrados. O Supremo Tribunal Federal há muito já pacificou o tema:

16 Ago 2011 0 comment
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  Redação

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. REMUNERAÇÃO DE MAGISTRADOS. IMPOSTO DE RENDA SOBRE A VERBA DE REPRESENTAÇÃO. ISENÇÃO. SUPERVENIÊNCIA DA PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. ISONOMIA TRIBUTÁRIA. INSUBSISTÊNCIA DO BENEFÍCIO. 1. O artigo 150, inciso II, da Constituição Federal, consagrou o princípio da isonomia tributária, que impede a diferença de tratamento entre contribuintes em situação equivalente, vedando qualquer distinção em razão do trabalho, cargo ou função exercidos.

2. Remuneração de magistrados. Isenção do imposto de renda incidente sobre a verba de representação, autorizada pelo Decreto-lei 2.019/83. Superveniência da Carta Federal de 1988 e aplicação incontinenti dos seus artigos 95, III, 150, II, em face do que dispõe o § 1º do artigo 34 do ADCT-CF/88. Conseqüência: Revogação tácita, com efeitos imediatos, da benesse tributária. Recurso extraordinário não conhecido. (RE 236881, Relator: Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, julgado em 05/02/2002, DJ 26-04-2002 PP-00090 EMENT VOL-02066-02 PP-00432)

No entanto, em Fortaleza, capital do Ceará, a coisa é diferente.

É que o servidor público do referido município tem direito à isenção do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), bem como do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI).

Para obter a isenção do IPTU, basta o servidor preencher requisitos previstos no artigo 35, inciso I, alínea “a”, da Consolidação das Leis Tributárias Municipais do IPTU, no artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei Complementar 27/2005 e no artigo 7º, inciso II, da LC 33/2006, his verbis:

Art. 35 – São isentos do imposto (Art. 2º da Lei nº. 6.470/89):

I. o imóvel construído:

a) pertencente a servidor municipal, ativo ou inativo, a seus filhos menores ou incapazes, bem como a sua viúva enquanto não contrair núpcias, quando nele residam;

____________________________________________________________________

Art. 2º – O art. 3º da Lei nº. 8.234, de 29 de dezembro de 1998, com a redação que lhe foi dada pelo art. 2º da Lei Complementar nº. 21, de 29 de dezembro de 2004, passa a vigorar com a seguinte redação:

§ 2º – Fica isento do pagamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) o servidor público municipal que comprove possuir um único imóvel no município de Fortaleza, e o utilize exclusivamente para sua residência. (NR)

____________________________________________________________________

Art. 7º Ficam isentos do pagamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU):

II- o imóvel pertencente a servidor público municipal de sua propriedade e que o utilize exclusivamente para sua residência;

Com relação ao ITBI, a isenção está prevista no artigo 4º, inciso I, da Lei nº 9.133, de 18.12.2006, bem como no seguinte artigo:

Art. 171 – São isentos (REDAÇÃO DA LEI nº 6.470/89):

I – a transmissão de imóvel residencial, quando adquirido por servidor municipal, ativo ou inativo, seus filhos menores ou incapazes, bem como a sua viúva enquanto não contrair núpcias, desde que não possuam outro imóvel residencial no Município e o façam para sua moradia;

Mesmo reconhecendo-se que a legislação municipal procurou trazer benefícios tributários aos servidores da Prefeitura que preenchessem requisitos elencados na norma, não se pode negar que esta discriminação outorgada pela legislação do município fere de morte o princípio da isonomia tributária, pois, sem qualquer razão plausível, confere vantagem a uma determinada parcela dos contribuintes apenas por serem servidores municipais. Isso é óbvio, isso é claro, mas até hoje nada foi feito.

Como se vê, as referidas normas do município de Fortaleza estabelecem um privilégio, consubstanciado numa isenção, em razão de ocupação profissional ou função.

E isso não é mais possível, pelo menos desde a Constituição da República de 1988.

Pois bem, vaticina a nossa Lei Maior em seu artigo 150:

Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...]

II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.

Já a Constituição do Estado do Ceará preconiza o seguinte:

Art. 191. O Estado e os Municípios podem instituir:

I – impostos em conformidade com a discriminação emanada da Constituição da República;

A própria Lei Orgânica do Município de Fortaleza traz disposição idêntica à da Constituição da República, verbis:

Art. 141. É vedado ao Município sem prejuízo de outras garantias ao contribuinte:

[...]

II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

Pois bem, o Supremo Tribunal Federal já enfrentou diversas vezes o tema, invocando o princípio da isonomia tributária, insculpido no artigo 150, inciso II, da Carta Magna. Recentemente, foi publicado o seguinte julgado:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 240 DA LEI COMPLEMENTAR 165/1999 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. ISENÇÃO DE CUSTAS E EMOLUMENTOS AOS MEMBROS E SERVIDORES DO PODER JUDICIÁRIO. VIOLAÇÃO AO ART. 150, II, DA CONSTITUIÇÃO. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.

I – A Constituição consagra o tratamento isonômico a contribuintes que se encontrem na mesma situação, vedando qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida (art. 150, II, CF).

II – Assim, afigura-se inconstitucional dispositivo de lei que concede aos membros e servidores do Poder Judiciário isenção no pagamento de custas e emolumentos pelos serviços judiciais e extrajudiciais.

III – Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 240 da Lei Complementar 165/199 do Estado do Rio Grande do Norte.

(ADI 3334, Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2011, DJe-064 DIVULG 04-04-2011 PUBLIC 05-04-2011)

As normas em questão são, portanto, claramente inconstitucionais.

E não se pode olvidar a relevância social do tema, já que a transferência de carga tributária decorrente da isenção de impostos atinge toda a coletividade, onerando os demais contribuintes não alcançados pelo benefício, tendo em vista a manutenção dos níveis de arrecadação.

Existe ainda a relevância jurídica, no momento em que se é levado a refletir acerca da efetiva realização do controle de constitucionalidade em âmbito municipal.

E tem relevância política quando se analisam as verdadeiras justificativas para concessão de tais benesses, bem como a falência das instituições encarregadas de fiscalizar tais atos.

Lembro-me ainda do meu tempo de faculdade, no ano de 2001 ou 2002, quando, em uma aula de Direito Tributário, informei tal situação à minha professora, a procuradora da Fazenda Nacional Denise Lucena. Ela ficou pasmada com o que lhe falei, pois não acreditara que esse tipo de absurdo ainda existia. Pois é, professora, isso existia e até hoje existe.

Assim, inconformado com a letargia das autoridades competentes para combater atos normativos ofensivos à Constituição Federal e Estadual, enviei, em abril de 2011, representações a vários órgãos: Procuradoria-Geral de Justiça, Procuradoria-Geral do Estado, Defensoria Pública e Conselho Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil.

Pelo que sei, nenhuma providência foi adotada.

O problema também é que, segundo a Constituição do Estado do Ceará, tais órgãos não possuem legitimidade para propor Ação Direta de Inconstitucionalidade em face de lei municipal. Essa previsão só existe para o prefeito, a Mesa da Câmara ou entidade de classe e organização sindical do respectivo município.

Ora, e quem é que vai querer se indispor com uma significativa parcela de eleitores, representada por milhares de servidores municipais de Fortaleza, notadamente em ano que antecede as eleições?

Enquanto isso, quem está pagando essa conta é a maioria da população do município de Fortaleza.

É preciso fazer algo para extirpar do ordenamento jurídico as normas que concedem isenção a servidor do município de Fortaleza pelos simples fato de deter esta condição (de servidor municipal), eis que vão de encontro ao conteúdo constitucional, quebrando a coesão do ordenamento jurídico vigente e promovendo desigualdades ilegítimas dentro da sociedade.

Fica aqui o pedido.

Carlos André Studart Pereira é procurador federal em Mossoró (RN).

Fonte: Revista Consultor Jurídico

COMENTÁRIO DE OMAR AUGUSTO LEITE MELO: apenas para ratificar ainda mais as palavras do Dr. Carlos André Studart Pereira acerca da gritante inconstitucionalidade dessa lei municipal de Fortaleza/CE, eu ainda acrescentaria a afronta ao artigo 151, inciso II, da Constituição Federal, ou seja, “é vedado à União tributar a renda das obrigações da dívida pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como a remuneração e os proventos dos respectivos agentes públicos, em níveis superiores aos que fixar para suas obrigações e para seus agentes”. “Mutatis mutandis”, creio que tal dispositivo também serve para aniquilar essa isenção municipal.

Última modificação em Quarta, 15 Março 2017 03:23

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