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O local de incidência do ISS no sistema de educação à distância

Por Carolina Silveira*

1 - Introdução

O presente visa o estudo acerca do Local de incidência do ISS no caso de serviço de Educação à Distância. Educação a distância (EaD, também chamada de teleducação), é a modalidade de ensino que permite que o aprendiz não esteja fisicamente presente em um ambiente formal de ensino-aprendizagem, assim como, permite também que faça seu auto estudo em tempo distinto. Diz respeito também à separação temporal ou espacial entre o professor e o aprendiz.

02 Ago 2011 0 comment
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  Redação

A interligação (conexão) entre professor e aluno se dá por meio de tecnologias, principalmente as telemáticas, como a Internet, em especial as hipermídias, mas também podem ser utilizados o correio, o rádio, a televisão, o vídeo, o CD-ROM entre outros.

Nessa esteira, paira no mundo jurídico grande dúvida acerca do verdadeiro local de incidência do ISS no caso de Educação à distância, uma vez que além do tema ser bastante novo, a questão espacial de incidência do ISS sempre foi matéria controvertida e objeto de importantes debates.

2 - O ISS - legislação - questão espacial

O local de incidência do ISS talvez seja um dos pontos mais controvertidos do Direito Tributário, uma vez que a legislação pertinente permitiu diversas interpretações acerca da questão espacial do referido imposto.

O Decreto-Lei nº 406/68, para definir o critério espacial do fato gerador do ISSQN, estabelecia em seu artigo 12 regra geral em que o serviço considerava-se prestado e o imposto devido no local do "estabelecimento prestador", listando apenas duas exceções ou regras especiais, consistentes nos serviços relacionados à construção civil e à exploração de rodovia mediante preço ou pedágio. Reconhecia, portanto, apenas em duas situações excepcionais, que o fato imponível ocorria em local diverso e independente do estabelecimento prestador.

Por sua vez, a Lei Complementar 116/03 tratou a questão com maior zelo e ajustou a definição do critério espacial ao princípio da territorialidade, ao ampliar as regras especiais (Art. 3º, I a XXII e §§ 1º e 2º). Ao mesmo tempo, no caput do artigo, confirmou a regra geral do local do estabelecimento prestador para todos os demais serviços. Vejamos:

Art. 3º O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido no local:
I - do estabelecimento do tomador ou intermediário do serviço (...);
II - da instalação dos andaimes, palcos, coberturas e outras estruturas (...);
III - da execução da obra (...);
IV - da demolição (...);
V - das edificações em geral, estradas, pontes, portos e congêneres (...);
VI - da execução da varrição, coleta, remoção, incineração, tratamento, reciclagem, separação e destinação final de lixo (...);
VII - da execução da limpeza, manutenção e conservação de vias e logradouros públicos, imóveis, chaminés, piscinas, parques, jardins e congêneres (...);
VIII - da execução da decoração e jardinagem, do corte e poda de árvores (...);
IX - do controle e tratamento do efluente de qualquer natureza e de agentes físicos, químicos e biológicos (...);
X e XI - (VETADOS)
XII - do florestamento, reflorestamento, semeadura, adubação e (...);
XIII - da execução dos serviços de escoramento, contenção de encostas (...);
XIV - da limpeza e dragagem (...);
XV - onde o bem estiver guardado ou estacionado (...);
XVI - dos bens ou do domicílio das pessoas vigiados, segurados (...);
XVII - do armazenamento, depósito, carga, descarga, arrumação e guarda (...);
XVIII - da execução dos serviços de diversão, lazer, entretenimento e (...);
XIX - do Município onde está sendo executado o transporte (...);
XX - do estabelecimento do tomador da mão-de-obra (...);
XXI - da feira, exposição, congresso ou congênere (...);
XXII - do porto, aeroporto, ferroporto, terminal rodoviário, ferroviário ou metroviário (...).
§ 1º No caso dos serviços a que se refere o subitem 3.04 da lista anexa, considera-se ocorrido o fato gerador e devido o imposto em cada Município em cujo território haja extensão de ferrovia, rodovia, postes, cabos, dutos e condutos (...).
§ 2º No caso dos serviços a que se refere o subitem 22.01 da lista anexa, considera-se ocorrido o fato gerador e devido o imposto em cada Município em cujo território haja extensão de rodovia explorada.

Da simples leitura das regras específicas extrai-se com segurança que a lei não vinculou o critério espacial ao tomador dos serviços, seu estabelecimento ou domicílio.

O que a nova lei fez foi pinçar do elenco de serviços tributáveis, aqueles que exigem a transferência efetiva, mesmo que temporária, de estrutura necessária à execução do serviço para local diverso do estabelecimento prestador e, a partir desta seleção, definiu que o imposto é devido àquele município onde os serviços forem executados, o que pode coincidir com o município sede do prestador dos serviços, do tomador ou qualquer outro. Somente nos incisos I e XX a lei indicou o estabelecimento do tomador para definir o local da prestação, presumindo que somente nele os serviços podem se realizar.

Nesse ensejo, cumpre classificar os serviços tributáveis a partir do local de sua possível prestação como forma de identificar a melhor interpretação para questão espacial de incidência do imposto.

3 - Os serviços tributáveis: classificação e análise segundo o local de sua prestação

Analisando atentamente a Lista de Serviços anexa à LC 116/2003 podemos concluir e identificar três divisões ou grupos de serviços classificáveis segundo o local de sua prestação.

Num primeiro olhar, é possível identificar aqueles serviços cuja prestação necessariamente ocorrerá no estabelecimento prestador.

Tais serviços serão sempre concretizados em um determinado local físico, normalmente um prédio. São exemplos os serviços prestados por hospitais, laboratórios, clínicas, creches, asilos, serviços de hotelaria, bancários, gráficos, guarda e alojamento de animais, entre outros.

Em relação a estes, não resta dúvida que a competência para exigir o ISSQN deve pertencer ao município da localização do prédio onde a atividade é desenvolvida integralmente - o estabelecimento prestador -, em sintonia, portanto, com a regra geral estabelecida pela lei.

Num olhar um pouco mais atento, são encontrados os serviços cuja prestação necessariamente ocorrerá fora do estabelecimento prestador.

Neste grupo estão, por exemplo, os serviços de construção civil; demolição; varrição, coleta, remoção, incineração, tratamento, reciclagem, separação e destinação final de lixo; limpeza, manutenção e conservação de vias, imóveis, piscinas, parques e jardins, corte e poda de árvores, florestamento e reflorestamento, decoração, jardinagem, vigilância, segurança, monitoramento de pessoas ou bens, fornecimento de mão de obra e exploração de rodovia mediante pedágio.

Entendemos que o legislador buscou identificar os serviços cuja prestação necessariamente ou muito provavelmente ocorre fora do estabelecimento prestador, listando-os nos incisos e parágrafos do art. 3º da lei, que constituem exceções à regra geral. Essas regras especiais respeitam o princípio da territorialidade e o aspecto material da hipótese de incidência, quando conferem competência para exigir e cobrar o imposto ao município onde os serviços são executados, o que não se confunde com o local para onde é emitido o documento fiscal ou com o domicílio do tomador do serviço.

Existe, no entanto, um terceiro grupo, no qual se encontram os serviços que, por suas características, podem ser prestados tanto no estabelecimento prestador quanto no estabelecimento ou domicílio do tomador do serviço ou em um terceiro lugar qualquer.

A maior problemática relacionada à competência para exigir e arrecadar o ISSQN é precisamente neste ponto encontrada. Exemplo típico são os serviços de assessoria e consultoria, que em princípio, podem ser prestados em qualquer lugar, nada impedindo que o prestador faça com que o fato gerador se concretize em local totalmente diferente do estabelecimento prestador ou do tomador do serviço. Nos tempos atuais, em que a informática e principalmente a internet propiciam a aproximação virtual das pessoas e aceleraram sobremaneira a comunicação, não é mais preciso que o prestador vá pessoalmente ao encontro do cliente para fechar negócios ou cumprir contratos.

O deslinde da questão exige entender que a prestação dos serviços incluídos nesta categoria, que abrange, por exemplo, além dos citados assessoria e consultoria, serviços de informática; publicidade; agenciamento; corretagem; intermediação; medicina; advocacia e contabilidade, entre outros, demanda a existência de uma base operacional, física ou não, onde o prestador concentre a estrutura necessária, seja ela de equipamentos ou mesmo de bens imateriais como o conhecimento ou a tecnologia a ser empregada.

A lei tributária subordinou os serviços incluídos neste terceiro grupo à regra geral e considerou prestado o serviço e devido o imposto para o município do estabelecimento prestador. Prevendo de outra forma, estaria negando a competência municipal para organizar seu território e disciplinar o exercício das atividades econômicas.

Deve ser notado que o entendimento defendido para este grupo de serviços não confronta com o indicado para o segundo grupo antes apresentado, no qual os serviços necessariamente são executados fora do estabelecimento prestador e que a LC 116/2003 listou, submetendo-os a regras especiais. Isto porque o exercício daquelas atividades exige licenciamento do município onde o serviço for executado, ainda que não emitido em nome do prestador, sujeitando-se, portanto, à legislação de posturas daquele município. É o caso das obras de construção civil, dos serviços de diversões públicas, feiras e eventos, exploração de rodovias (pedágio), serviços portuários, aeroportuários, ferroportuários, terminais rodoviários e metroviários. Já serviços como os de varrição; limpeza; decoração; jardinagem e fornecimento de mão-de-obra, por exemplo, mesmo que o seu exercício não necessite de alvará prévio, estarão ainda assim sujeitos ao poder de polícia local, face à necessidade de instalação e manutenção de estrutura física para a prestação.

Podemos concluir que a lei, ao estabelecer que o serviço se considera prestado e o imposto devido no território onde se encontrar o estabelecimento prestador ou o domicílio do prestador, para todos os serviços não constantes das exceções que listou, entendeu que a hipótese de incidência tributária do ISS deve ser tida como materializada no local onde o prestador mantém as condições necessárias ao seu negócio, ainda que possa deslocar-se para prestar o serviço no estabelecimento encomendante ou em outro lugar qualquer, em sua casa de praia, campo, em viagem internacional, etc.

4 - Do serviço prestado através de "EAD" com polo presencial

Após as considerações realizadas alhures, podemos afirmar, desde logo, que o serviço de ensino à distância deve ser classificado no terceiro grupo no qual se encontram os serviços que, por suas características, podem ser prestados tanto no estabelecimento prestador quanto no estabelecimento ou domicílio do tomador do serviço ou em um terceiro lugar qualquer.

Com efeito, não há dúvida que o local de incidência do ISS referente ao serviço de Ensino à Distância é o local do estabelecimento prestador, ou seja, pelo estabelecimento que realiza os contratos com os alunos, que emite o boleto da mensalidade e onde são gravadas as aulas. Apenas a transmissão do serviço é realizada pelo polo de apoio.

Como forma de corroborar com a afirmativa, cumpre citar que segundo Ives Gandra Martins(1) , os serviços de internet, informática, produtos virtuais são os serviços tidos como exceções às regras da LC 116/2003 e deverão ser tributados no estabelecimento prestador.

Frise-se que em que pese, por exigência do Ministério da Educação -MEC(3), o serviço de EAD necessitar de polo de apoio presencial para realização da provas, o mesmo não pode ser enquadrado como exceção à regra geral estabelecida na LC 116/2003.

Isso porque o polo apenas cumpre a função de apoio administrativo que não se confunde com o serviço de ensino á distância.

Nesse sentido, cumpre transcrever entendimento dos Tribunais a seguir ementados:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. ISSQN. LC 116/03. COMPETÊNCIA. LOCAL ESTABELECIMENTO PRESTADOR. SÚMULA 83/STJ. FUNDAMENTO NÃO ATACADO. SÚMULA 283/STF.
1. De acordo com os arts. 3º e 4º da LC 116/03, a municipalidade competente para realizar a cobrança do ISS é a do local do estabelecimento prestador dos serviços. Considera-se como tal a localidade em que há uma unidade econômica ou profissional, isto é, onde a atividade é desenvolvida, independentemente de ser formalmente considerada como sede ou filial da pessoa jurídica. Isso significa que nem sempre a tributação será devida no local em que o serviço é prestado. O âmbito de validade territorial da lei municipal compreenderá, portanto, a localidade em que estiver configurada uma organização (complexo de bens) necessária ao exercício da atividade empresarial ou profissional
2. Afastar a aplicação das regras contidas na LC 116/03 apenas seria possível com a declaração de sua inconstitucionalidade, o que demandaria a observância da cláusula de reserva de plenário.
3. No caso, o tribunal a quo concluiu que os serviços médicos são prestados em uma unidade de saúde situada no Município de Canaã, o que legitima esse ente estatal para a cobrança do ISS.
4. A recorrente deixou de combater o fundamento do acórdão recorrido para refutar a suposta violação dos princípios da bitributação e da segurança jurídica - que a autoridade apontada como coatora e o Município impetrado não compuseram a relação processual precedente. Incidência da Súmula 283/STF. Ademais, dos elementos mencionados pela Corte de Origem, não é possível precisar em que local eram prestados os serviços cuja tributação pelo ISS foi discutida no bojo da outra ação mandamental.
5. Recurso especial conhecido em parte e não provido. RECURSO ESPECIAL Nº 1.160.253 - MG (2009/0188086-8)
TJSP - Apelação Com Revisão: CR 6801245400 SP
Resumo: Imposto Sobre Serviços.
Relator(a): Marcondes Machado
Julgamento: 29/05/2008
Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Público Publicação: 28/07/2008 Ementa IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS.
Imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador. Inteligência do art. 3ºdaLC 116/2003. Recurso provido.

5 - Conclusão

Pelo exposto, verifica-se que a questão espacial de incidência do ISS é de natureza eminentemente fática. Dessa forma, desde o contrato até as formas, na prática, como são realizadas as atividades influenciam na relação espaço x incidência do ISS.

Dessa forma, podemos afirmar que o ISS é devido sempre no local onde as aulas são gravadas, os boletos emitidos e os contratos firmados, restando ao polo presencial apenas o dever de apoio administrativo

Notas

(1) Revista Dialética de Direito Tributário nº182, 2010, pág. 167 e 168.

(2) DECRETO Nº 5.622, DE 19 DE DEZEMBRO DE 2005.

Referências

1 - Ávila, Humberto. "O Imposto Sobre Serviços E A Lei Complementar nº 116/03" in O ISS e a LC 116. São Paulo: Dialética, 2003.

2 - BALEEIRO, ALIOMAR. "Direito Tributário Brasileiro". 11ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

3 - BARRETO, AIRES FERNANDINO. "Imposto Sobre Serviços", in Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas, Coordenador Eurico Marcos Diniz de Santi, 1ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

4 - CARVALHO, PAULO DE BARROS. "Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos Da Incidência". 1ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

5 - CARVALHO,RUBENS MIRANDA DE. "ISS: A Lei Complementar Nº 116/03 E A Nova Lista de Serviços". 1ª Ed. São Paulo: MP Editora, 2003.

6 - CARRAZA,ROQUE ANTONIO. "A Tributação Na Constituição, O Princípio da Autonomia Municipal E O Imposto Sobre Serviços De Qualquer Natureza (ISS).Questões Conexas". In Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas, Coordenador Eurico Marcos Diniz de Santi, 1ª Ed. São Paulo: Saraiva,2008.

(*) A autora é advogada atuante na área tributária. Bacharela em Direito pela Universidade Católica do Salvador - UCSAL. Pós-graduanda em Direito Tributário pelo IBET - Instituto Brasileiro de Estudos Tributários. Pós- Graduanda em Planejamento Tributário pela UNIFACS.

COMENTÁRIO DE OMAR AUGUSTO LEITE MELO: achei o artigo muito bom, bem fundamentado, muito embora tenha um posicionamento diverso da autora. Com efeito, entendo que o pólo presencial é claramente uma unidade profissional e/ou econômica da prestadora de serviço de ensino a distância (EAD). Aliás, eu e Francisco Ramos Mangieri já manifestamos esse nosso entendimento no livro “ISS sobre o leasing”, p. 89. Creio que as decisões do STJ em torno desse polêmico assunto corroboram essa nossa tese. Curioso que o RESP citado pela própria autora (nº 1.160.253) me leva à conclusão de que o pólo presencial se configura um estabelecimento prestador do serviço de educação à distância! Por fim, além da questão do local de ocorrência, como a empresa responsável pelo pólo presencial (franqueada, representante comercial ou qualquer outra denominação) também participa ativamente da aula ministrada (propicia todos os meios necessários para que e o aluno assista a aula), entendemos que é possível enquadrá-la como responsável solidária pelo ISS devido, com fulcro no artigo 124, I, do CTN. Esse tema também desenvolvemos no citado livro, p. 77-83. Enfim, fica aberto o debate!

O local de incidência do ISS no sistema de educação à distância
Última modificação em Quarta, 15 Março 2017 03:23

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