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LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS X SERVIÇOS COM LOCAÇÃO: QUANDO INCIDIRÁ O ISS? E SOBRE QUAL BASE?

Desde o leading case decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 116.121, a tributação do ISS sobre a atividade de locação de bens móveis ganhou grande repercussão por parte dos contribuintes e dos Fiscos Municipais. A Súmula Vinculante nº 31 do STF veio com a pretensão de eliminar ou, ao menos, reduzir esse embate fiscal.

03 Mai 2012 0 comment
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  Omar Augusto Leite Melo

Assim determina a referida súmula vinculante: “é inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis”.

No entanto, algumas atividades despertam dúvidas sobre o seu enquadramento, ou não, como locação de bens móveis. Ou, ainda, o enquadramento total ou parcial no campo de incidência do ISS.

Quando da edição da súmula vinculante, o Ministro Joaquim Barbosa chegou a propor um complemento que acabou sendo reprovada, no sentido de excepcionar da inconstitucionalidade (logo, validar a cobrança do ISS), aquelas operações de locações de bens móveis, “quando dissociadas a serviços”.

Recentemente, no AgRg no  Agravo de Instrumento nº 736.189, relator Ministro Joaquim Barbosa, j. em 06/03/2012, a 2ª Turma do STF decidiu pela validade da cobrança do ISS sobre filmagem e sonorização (subitem 13.02 da Lista de Serviços da LC 116/2003), não havendo ou reconhecendo a existência de “locação” dos equipamentos de áudio e vídeo. No voto do ministro relator, acatou-se o seguinte argumento consignado no acórdão recorrido (do TJ/SP):

“Ao sustentar que loca serviço de áudio e vídeo, obrigatoriamente, denota-se, em consequência, que presta serviços de sonorização, filmagem e exibição de imagens, serviços estes nos quais se utiliza dos respectivos equipamentos de sua propriedade (vídeo e áudio): mencionada ação não se confunde, por evidente, com a locação de bens móveis”.

Outro ponto interessante nessa causa se refere ao ônus da prova. O Ministro Joaquim Barbosa entendeu que “a previsão da atividade no contrato social representa um indício importante, mas não absoluto, dos atos praticados pela pessoa jurídica. Essa relatividade decorre da potencialidade do objeto social, que pode não corresponder necessariamente aos atos efetivamente praticados”.

Logo, o contribuinte não pode justificar a existência da locação de bens móveis apenas com base no seu contrato social, mas também em outros documentos. Essa foi a conclusão do TJSP e da 2ª Turma do STF. Eis a ementa do AgRg no AI nº 736.189:


“AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA. FILMAGEM E SONORIZAÇÃO. ACÓRDÃO QUE DECIDE O LITÍGIO COM BASE NO QUADRO FÁTICO-JURÍDICO ESPECÍFICO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE 31. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo admitiu que o ISS não incide sobre a locação de bens móveis. Porém, deixou de aplicar a orientação firmada na SV 31 ao litígio, na medida em que a agravante não teria comprovado praticar apenas atos de locação de bens móveis. O reexame do acórdão recorrido dependeria da reabertura da instrução probatória, medida incabível no exame do recurso extraordinário (Súmula 279/STF). Agravo regimental ao qual se nega provimento”.


Neste mesmo sentido, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no EDcl no AgRg no Agravo nº 41.328, j. em 06/03/2012, relator Ministro Humberto Martins, também deu ganho de causa ao Fisco Municipal porque o contribuinte não logrou êxito nessa produção probatória de que, efetivamente, (apenas) alugava bens móveis. O ministro relator também se baseou na decisão recorrida vinda do TJMG, transcrevendo o seguinte trecho do voto do desembargador do TJMG:


“Verifica-se que, embora haja previsão, no contrato social da 2ª. apelante, do exercício da locação de equipamentos, tal objetivo social está associado a outros, tais como conservação e montagem de instalação de gases. Na verdade, não está claro se a atividade da 2ª. apelante é de simples locação, ou de fornecimento de equipamento, cumulado com sua instalação, acompanhamento de funcionamento, manutenção, etc. Aliás, na contestação, o Município de Juiz de Fora impugnou as alegações da autora, alegando que os contratos de locação firmados por ela envolviam a cessão dos cilindros de gás juntamente com o fornecimento de mão de obra especializada para instalação e manutenção dos mesmos (fl. 144). Nesse ponto, ressalto que a 2ª. apelante não juntou sequer um contrato que indicasse a prática de locação pura e simples de bem móvel. O fato é que, nos termos do artigo 333, I, do Código de Processo Civil, cabia à autora comprovar que sua atividade de locação está restrita à cessão de equipamentos a terceiros. Importante ressaltar que, embora a autora/2ª. Apelante tenha sido intimada para especificar provas (fl. 165v), permaneceu silente. Dessa forma, ao contrário do que pretende, não há como aplicar a regra do artigo 130 do Código de Processo Civil, porque a oportunidade de produção de prova está preclusa. Enfim, ausente a prova de que a autora/2ª. apelante exerce, de fato, atividade de locação pura e simples de equipamentos, a improcedência da ação é medida que se impõe”.


Agora, no AgRg no RE nº 656.709, a 2ª Turma do STF, j. em 14/02/2012, relator Ministro Joaquim Barbosa, analisou um outro caso envolvendo essa atividade que compreende a locação de bens móveis e a prestação de serviço, cuja ementa segue abaixo:


“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA. LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS ASSOCIADA A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LOCAÇÃO DE GUINDASTE E APRESENTAÇÃO DO RESPECTIVO OPERADOR. INCIDÊNCIA DO ISS SOBRE A PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. NÃO INCIDÊNCIA SOBRE A LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS. SÚMULA VINCULANTE 31. AGRAVO REGIMENTAL. 1. A Súmula Vinculante 31 não exonera a prestação de serviços concomitante à locação de bens móveis do pagamento do ISS. 2. Se houver ao mesmo tempo locação de bem móvel e prestação de serviços, o ISS incide sobre o segundo fato, sem atingir o primeiro. 3. O que a agravante poderia ter discutido, mas não o fez, é a necessidade de adequação da base de cálculo do tributo para refletir o vulto econômico da prestação de serviço, sem a inclusão dos valores relacionados à locação. Agravo regimental ao qual se nega provimento”.


Observa-se que essa decisão admite a possibilidade de se dividir a atividade em duas, isto é, uma locação de bens móveis e uma prestação de serviços. O ISS não incidiria sobre a locação de bens móveis, mas apenas sobre a prestação de serviço. O que não pode haver é a simulação de dois contratos, quando, na verdade, é apenas um único.

Esse entendimento vem prestigiar vários contribuintes que mexem simultaneamente com a locação de bens e, também, fornecimento de mão-de-obra ou um outro serviço. Vale a pena transcrever parte do voto do Ministro relator, para uma melhor compreensão do que foi decidido:


“Para justificar esse entendimento, o agravante retira do contexto uma única fala, do Ministro Cezar Peluso, durante os debates que antecederam a aprovação da súmula:

‘O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO […] Veja bem: estamos afirmando que é inconstitucional quando incide sobre locação de móveis, mas só quando é dissociada da operação de serviço. Quando for associada, cabe imposto? Não. Então, a referência a dissociada é desnecessária, porque, quando associada, também não incide.’[sic] (Fls. 324).

Embora a Corte tenha optado por suprimir a expressão ‘quando dissociada da prestação de serviço’ do texto da súmula, essa supressão foi motivada pela presunção de que ela seria redundante, pois serviria apenas para reforçar o óbvio: o tributo incide sobre a prestação de serviços, independentemente dos esforços para escamoteá-lo em contratos de locação.

Nesse sentido são os seguintes trechos dos debates, omitidos das razões de agravo regimental:

“O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA - Eu não vejo prejuízo na supressão dessa expressão. A minha preocupação foi em relação àquelas situações em que a prestação de serviço vem escamoteada sob a forma de locação. Por exemplo: locação de maquinário, e vem o seu operador. Nessa hipótese, muito comum.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - Então, esse caso aí é a prestação de serviço típica, não é a locação de móvel como tal.

O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA - Pois é, mas a prestação é escamoteada aí.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - Sim, mas a pergunta é a seguinte: existem, neste caso, locação de móvel e prestação de serviço, OU EXISTEM AMBAS?

O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA - TEM AS DUAS COISAS, mas o que aparece é só a locação de móveis.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - Então a locação de móvel não tem incidência, MAS A PRESTAÇÃO DE SERVIÇO TEM.

O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA - Mas, como eu disse, não vejo essas questões periféricas que podem surgir aí, podem ser resolvidas em reclamação e em outros procedimentos. Não vejo nenhum problema.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - O meu receio é exatamente que se raciocine nestes termos: quando associadas, elas ficam sujeitas a imposto? Não ficam.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - O que o Ministro Peluso aponta é sério. Nós temos que dar uma redação que não gere dúvida, porque, poder resolver por reclamação, é, de início, já acentuarmos que poderá haver dúvida.

O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA – Que haverá reclamação, não tenho a menor dúvida. Reclamação virou a panaceia.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Então, eu acho que, se Vossa Excelência, que propôs, atentando inclusive aos precedentes, entender que realmente a proposta do Ministro Peluso cobre aquilo que discutimos e que foi consolidado como a matéria solucionada pelo Tribunal, melhor que se dê adesão à proposta e se elimine a parte final.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE E RELATOR) - Portanto: É inconstitucional a incidência do Imposto Sobre Serviço de qualquer natureza sobre operações de locação de bens móveis.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Presidente, com isso ficamos fiéis ao que assentado pela Corte, já que, quando da formalização do leading case , não houve o exame da matéria quanto à conjugação "locação de bem móvel e serviço". Deve-se esperar, portanto, reiterados pronunciamentos do Tribunal sobre possível controvérsia, envolvida a junção, para posteriormente editar-se um verbete”.

Aliás, a própria sequência da frase pinçada pelo agravante, mas ausente de sua transcrição, revela o alcance do precedente:

‘O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - [...] Veja bem: estamos afirmando que é inconstitucional  quando incide sobre locação de móveis, mas só quando é dissociada da operação de serviço. Quando for associada, cabe imposto? Não. Então, a referência a dissociada é  desnecessária, porque, quando associada, também não incide. Quando há contrato de locação de móveis e, ao mesmo tempo, prestação de serviço, a locação de móveis continua não suportando o imposto; O SERVIÇO, SIM. Se não tiver nenhuma ligação com prestação de serviço, também continua não suportando; não há incidência. Noutras palavras, o dissociada aí realmente é inútil e pode gerar dúvida. E, quando for associada, está sujeita ao imposto sobre prestação de serviço? A meu ver, com o devido respeito, não há prejuízo algum ao sentido das inúmeras decisões, se for cortada a e expressão final "dissociada da prestação de serviço". É inconstitucional a incidência sobre locação de móveis, só’.

Portanto, o que o agravante poderia ter discutido, mas não o fez, é a necessidade de adequação da base de cálculo do ISS para refletir apenas o vulto econômico da prestação de serviços, sem a parcela de retribuição relativa à locação de bem móvel.

Em sentido diverso, com base em uma única fala tirada de contexto, incompleta, o agravante busca estender uma orientação evidentemente inaplicável ao caso”.


Propositadamente, destaquei em negrito dois pontos do voto Ministro relator: “embora a Corte tenha optado por suprimir a expressão ‘quando dissociada da prestação de serviço’ do texto da súmula, essa supressão foi motivada pela presunção de que ela seria redundante, pois serviria apenas para reforçar o óbvio: o tributo incide sobre a prestação de serviços, independentemente dos esforços para escamoteá-lo em contratos de locação” e “o que o agravante poderia ter discutido, mas não o fez, é a necessidade de adequação da base de cálculo do ISS para refletir apenas o vulto econômico da prestação de serviços, sem a parcela de retribuição relativa à locação de bem móvel”.

Portanto, uma coisa está ligada à outra: é possível afastar a incidência do ISS sobre a locação de bens móveis, ainda que ela venha associada a uma prestação de serviço. Agora, para tanto, é necessário que haja, efetivamente, dois contratos distintos, duas atividades diferentes. Havendo simulação, o ISS incidirá , e sobre o valor total (serviço + “locação”).

Vale destacar o exemplo colocado pelo próprio Ministro Joaquim Barbosa de uma prestação de serviço totalmente sujeita ao ISS, que vem mascarada (“escamoteada”, no seu dizer) de locação: “por exemplo: locação de maquinário, e vem o seu operador. Nessa hipótese, muito comum”. Em tais casos, caberá a cobrança do ISS, e sobre o valor total.

Enfim, o assunto ainda rende e continuará rendendo novas discussões judiciais.

Última modificação em Quarta, 15 Março 2017 03:25

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