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DESCUMPRIMENTO DE PARCELAMENTO E OS “PRAZOS” PARA O FISCO RESCINDI-LO E PARA AJUIZAR A EXECUÇÃO FISCAL

1. Considerações iniciais.

Recentemente, em 12 de abril de 2011, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça julgou o RESP nº 1.216.171/PR, relator Ministro Mauro Campbell Marques, publicado no DJ-e de 27/04/2011, cuja ementa foi assim redigida:

09 Mai 2011 0 comment
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  Omar Augusto Leite Melo

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO AO ART. 535, II, DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. PARCELAMENTO. REFIS. LEI N. 9.964⁄00. PRAZO DECADENCIAL E NÃO PRESCRICIONAL PARA A EXCLUSÃO DA CONTRIBUINTE DO PROGRAMA. MOTIVO DA EXCLUSÃO QUE SE PROLONGA NO TEMPO. AUSÊNCIA DE TERMO A QUO DA DECADÊNCIA NA HIPÓTESE.

1. Discute-se nos autos a prescritibilidade do direito fazendário de excluir o contribuinte do parcelamento instituído pela Lei n. 9.964.2000.

2. Cumpre afastar a alegada ofensa ao art. 535, II, do CPC, eis que o Tribunal de origem se manifestou de forma clara e fundamentada sobre a questão posta à sua apreciação, ainda que de forma contrária à pretensão da ora recorrente, e foi inequívoco ao afirma que ‘não existe nenhum regramento legal que ampare o direito pleiteado pela demandante, ou, ainda, que preveja um prazo prescricional ou decadencial a ser respeitado, de forma a impedir a realização do ato administrativo de exclusão’.

3. Com efeito, a Lei n. 9.964⁄00 não trouxe expressamente nenhum prazo prescricional para a exclusão do contribuinte do programa de parcelamento e nem poderia trazer, pois de prescrição não se trataria, mas de decadência, visto que referente não à hipótese de exigibilidade de determinado direito creditício, mas ao exercício de direito potestativo da Fazenda Pública de verificar a ocorrência de uma das hipóteses de exclusão do programa de parcelamento.

4. Assim, me parece adequado aplicar por analogia (art. 108, I, do CTN) o prazo do art. 173, do CTN, para reconhecer que o Fisco possui o prazo de cinco anos para excluir a contribuinte do Refis, após cessada a causa da exclusão.

5. O Tribunal de origem consignou expressamente que a empresa deixou de recolher o valor expressivo de R$ (...) no período da inadimplência. Frize-se (sic) que nem o aresto guerreado e nem a recorrente em momento algum afirmam que tenha ocorrido o pagamento dos valores não pagos à época, o que demonstra que a recorrente continua inadimplente em relação à referida quantia. Se persiste a inadimplência, não há que se falar em decadência, eis que se pode dizer que o motivo da exclusão se prolonga no tempo.

6. A pretensão da recorrente não merece acolhida, pois ela ainda se encontra em situação de inadimplência passível de exclusão do programa de parcelamento na forma do art. 5º, II, da Lei n. 9.964⁄00. Ainda que fosse paga a diferença dos valores não recolhidos à época, não haveria direito de permanência no programa, pois somente seria plausível a tese de decadência se transcorridos mais de cinco anos da data da cessação da inadimplência, o que não ocorreu na hipótese dos autos.

7. Recurso especial não provido”.

Portanto, o RESP nº 1.216.171 tratou do prazo para o Comitê Gestor do Refis I (de 2000) excluir um contribuinte do parcelamento especial, na medida em que se passou um lapso superior a cinco anos entre a causa de exclusão (inadimplência) e o ato administrativo de exclusão.

Essa decisão reclama um estudo especial, tendo em vista a existência de um entendimento consagrado nas 1ª e 2ª Turmas do STJ, amparado na Súmula nº 248 do (extinto) Tribunal Federal de Recursos, no sentido de que “o prazo da prescrição interrompido pela confissão e parcelamento da dívida fiscal recomeça a fluir do dia em que o devedor deixa de cumprir o acordo celebrado”.

Com efeito, a 1ª Turma do STJ, relator Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 09/12/2008, DJe de 17/12/2008, no RESP nº 762.935/MG, assim decidiu:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO CONFIGURADA. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. PEDIDO DE PARCELAMENTO. CAUSA INTERRUPTIVA DO PRAZO PRESCRICIONAL. SÚMULA 248/TFR.
1. Não viola o artigo 535, II, do CPC, nem importa negativa de prestação jurisdicional, o acórdão que adota fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia posta.
2. No caso de parcelamento de débito tributário, o prazo prescricional do direito de cobrança judicial pelo Fisco previsto no art. 174, caput, do CTN reinicia-se a partir do seu inadimplemento (Súmula 248/TFR).
3. Recurso especial a que se dá provimento”.

Por sua vez, a 2ª Turma do STJ (mesma turma que julgou o recente RESP nº 1.216.171), relator Ministro Humberto Martins, no AgRg nos EDcl no RESP nº 694.745/SC, também acatou a tese de que o prazo prescricional volta a correr da data em que o contribuinte descumpriu o parcelamento, se não vejamos:

“EXECUÇÃO FISCAL – PRESCRIÇÃO – FAZENDA PÚBLICA – ADESÃO AO REFIS – INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL.
1. Na hipótese dos autos, houve confissão espontânea de dívida com pedido de parcelamento para aderir ao Refis, interrompendo o lapso da prescrição, porque inequívoco o reconhecimento do débito (art. 174, IV, do CTN). Durante o período em que promoveu o pagamento das parcelas, o débito estava com sua exigibilidade suspensa, voltando a ser exigível a partir do inadimplemento – reiniciando o prazo prescricional.
2. O prazo da prescrição, interrompido pela confissão e parcelamento da dívida fiscal, recomeça a fluir no dia em que o devedor deixa de cumprir o acordo celebrado (Súmula 248 do extinto Tribunal Federal de Recursos). Precedentes.
Agravo regimental improvido”.

Enfim, enquanto 2ª Turma do STJ, no RESP nº 1.216.171, fala de um prazo decadencial (mediante aplicação analógica do artigo 173 do Código Tributário Nacional); a Súmula nº 248 do TFR, seguida por ambas as Turmas de Direito Público do STJ (RESP nº 762.935 e AgRg nos EmDcl no RESP nº 694.745), faz menção ao nascimento de um prazo prescricional. Outro ponto distinto versa sobre o dies a quo desses prazos: o prazo decadencial se inicia “após cessada a causa da exclusão”, ao passo que o lapso prescricional começa “a partir do inadimplemento” motivador da rescisão do parcelamento.

O presente trabalho versará sobre essa contradição nos julgados da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, buscando alguma conciliação entre eles.

2. Ponto (fato) em comum: inadimplemento de parcelamento tributário.

O parcelamento tributário é causa suspensiva da exigibilidade do crédito tributário, conforme artigo 151, inciso VI, do Código Tributário Nacional, devendo ser criado por lei específica que estabelecerá a forma e condições para a sua fruição.[1]

Quando o contribuinte não satisfaz ou deixa de satisfazer as condições ou, ainda, não cumpre os requisitos para a concessão e manutenção do parcelamento, a Administração Tributária deverá rescindir de ofício o parcelamento, de acordo com o caput do artigo 155 do CTN, aplicável aos parcelamentos por força do disposto no artigo 155-A, §2º do mesmo diploma legal:

“Art. 155. A concessão da moratória em caráter individual não gera direito adquirido e será revogado de ofício, sempre que se apure que o beneficiado não satisfazia ou deixou de cumprir s requisitos para a concessão do favor (...)”.

“Art. 155-A. omissis

§2º. Aplicam-se, subsidiariamente, ao parcelamento as disposições desta Lei, relativas à moratória”.

Nos acórdãos do STJ tratados neste trabalho, há esse fato em comum: o sujeito passivo descumpriu um parcelamento, motivando a sua exclusão de ofício.

Mas o ponto em comum para por aqui. Os dois prazos decididos pelo STJ se distinguem: a) pela natureza (decadência x prescrição); b) pelo início de contagem (“após cessada a causa de exclusão” x “a partir do inadimplemento”); c) pelos efeitos (extinção do direito de excluir o contribuinte do parcelamento x extinção do direito de ação). Para tornar isso mais claro, mister se faz analisar cada um desses dois casos isoladamente.

3. Situação analisada no RESP nº 1.216.171.

Neste processo, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça estava diante de um pedido do contribuinte de permanecer no Refis (parcelamento especial da Lei nº 9.964/2000, conhecido como “Refis 1”), sob a alegação de que o Comitê Gestor do Refis somente rescindiu o parcelamento depois de mais de cinco anos contados do descumprimento do parcelamento (inadimplência). O Ministro relator assim narrou o argumento da contribuinte-recorrente:

“No mérito, sustenta que o ato que a excluiu do Refis foi publicado em 14.9.07, sendo que as parcelas nas quais houve o pagamento a menor datam de fevereiro a novembro de 2001. Assim, entende que ocorreu a prescrição do direito de excluí-la do Refis, haja vista o transcurso de mais de cinco anos entre o ato e a última parcela inadimplida”.

Portanto, não se tocou no assunto da extinção dos débitos por força da prescrição (artigo 156, V, do CTN), nem na aplicação da Súmula 248 do TFR. O pedido formulado pela contribuinte se limitou ao reconhecimento da prescrição do ato administrativo de exclusão do Refis emitido pelo Comitê Gestor, até porque o intuito da contribuinte era de se manter no Refis, derrubando o ato administrativo de exclusão. Ademais, este caso foi analisado à luz de um outro suporte fático relevante, a saber: a contribuinte não regularizou as parcelas em atraso, ou seja, permanecia inadimplente.

Diante desse quadro processual consignado no RESP nº 1.216.171, a 2ª Turma do STJ, por unanimidade, afastou a tese da prescrição do direito do Comitê Gestor do Refis rescindir o parcelamento, até porque não há que se falar em ação judicial de exclusão do Refis.

Do voto do ministro relator Mauro Campbell Marques, vale a pena conferir o seguinte trecho, além da ementa já consignada anteriormente:

“Assim, me parece adequado aplicar o prazo do art. 173, do CTN, para reconhecer que o Fisco possui o prazo de cinco anos para excluir a contribuinte do Refis, após cessada a causa da exclusão.

No caso dos autos, o Tribunal de origem consignou expressamente que a empresa deixou de recolher o valor expressivo de R$ (...) no período da inadimplência. Frize-se (sic) que nem o aresto guerreado e nem a recorrente em momento algum afirmam que tenha ocorrido o pagamento dos valores não pagos à época, o que demonstra que a recorrente continua inadimplente em relação à referida quantia.

Se persiste a inadimplência, não há que se falar em decadência, eis que o motivo da exclusão se prolonga no tempo, tal qual ocorre - o que se faz tão somente a título comparativo⁄analógico e guardadas as respectivas peculiaridades - com o crime permanente, cuja consumação se prolonga no tempo, e conseguinte termo a quo da prescrição não tem início até a cessação da permanência delitiva”. (os destaques constam no próprio voto).

Destarte, a 2ª Turma do STJ admitiu a possibilidade de decadência do direito do Fisco rescindir o parcelamento, cujo prazo é de cinco anos, com base no artigo 173 do CTN, a contar da regularização do inadimplemento (termo empregado na decisão foi “após cessada a causa de exclusão”), ou, numa linguagem civilista, após a purgação da mora.[2]

No caso em apreço, a contribuinte não regularizou as parcelas em atraso, perdendo o direito de restabelecer seu parcelamento.

Em suma, neste RESP nº 1.216.171, a 2ª Turma do STJ admitiu a decadência do direito da Administração Tributária rescindir um parcelamento tributário, caso o contribuinte tenha cessado a causa de exclusão (in casu, pago as parcelas atrasadas que motivaram a exclusão). Para que isso ocorra, é necessário que transcorra mais de cinco anos entre a cessação da causa de exclusão e o ato administrativo.

4. Situação analisada no RESP nº 762.935 (1ª Turma) e no AgReg nos EDcl no RESP nº 694.745 (2ª Turma), baseados na Súmula 248 do TFR.

Diferentemente do que se viu no RESP nº 1.216.171 (tópico anterior), esses dois julgados do STJ ratificaram o enunciado da Súmula 248 do extinto Tribunal Federal de Recursos,[3] até porque o pedido envolvia a prescrição dos débitos parcelados, sem qualquer menção ao restabelecimento do parcelamento.

Em breves palavras, ao invés do pagamento parcelado de seus débitos (manter-se no parcelamento celebrado), os contribuintes envolvidos nesses julgados do STJ pediram a extinção dos débitos em face da prescrição, com amparo no artigo 156, V, do CTN.

O STJ consagrou, então, nos termos da citada súmula do TFR, que o prazo prescricional (de cinco anos – artigo 174 do CTN) recomeça a fluir na data em que o devedor deixou de cumprir o parcelamento, sem qualquer exigência ou menção a um ato de exclusão. Vale reforçar: o marco inicialprescricional conta a partir do “dia em que o devedor deixa de cumprir o acordo celebrado”. desse prazo

Para melhor compreender esse entendimento judicial, importa passearmos pelas legislações federais de regência dos parcelamentos.

Na Lei nº 10.522/2002, que versa sobre o chamado “parcelamento ordinário” dos débitos tributários federais, o seu artigo 13, §1º expressamente determina:

“§1º. A falta de pagamento de 2 (duas) prestações implicará a imediata rescisão do parcelamento e, conforme o caso, a remessa do débito para a inscrição em Dívida Ativa da União ou o prosseguimento da execução, vedado o reparcelamento, com exceção do previsto no §2º deste artigo”.

Portanto, este dispositivo é suficientemente claro ao dispor que a falta de pagamento de duas parcelas implicará na imediata rescisão do parcelamento, sem exigir qualquer ato formal (notificação, portaria, por exemplo) que “homologue” ou oficialize tal rescisão. Em outras palavras, se levarmos em conta a Administração Tributária como destinatária desta norma, poderíamos seguramente afirmar que ela determina à Administração que rescinda o parcelamento após a inadimplência de duas prestações, ou seja, o parcelamento deve ser rescindido quando ficar com duas prestações atrasadas. Agora, se a Fazenda Pública vai levar um mês, dois dias ou quatro anos para tomar essa providência, já estaremos diante de uma morosidade do Fisco, sem qualquer reflexo no parcelamento, que já fora rescindido automaticamente com o descumprimento da lei por parte do contribuinte.

No âmbito do “Refis 1”, as considerações são as mesmas, como se depreende do artigo 5º, inciso II, da Lei nº 9.964/2000:

“Art. 5º. A pessoa jurídica optante pelo Refis será dele excluída nas seguintes hipóteses, mediante ato do Comitê Gestor:

...........................................

II – inadimplência, por 3 (três) meses consecutivos ou 6 (seis) meses alternados, o que primeiro ocorrer, relativamente a qualquer dos tributos e das contribuições abrangidos pelo Refis, inclusive os com vencimento após 29 de fevereiro de 2000”.

Com efeito, o contribuinte que inadimplir três parcelas consecutivas deverá ser excluído do Refis. Se o Comitê Gestor demorar dois dias, três semanas, oito meses ou três anos para descobrir isso (e notificar o contribuinte), será “problema” (morosidade) do referido órgão, não influenciando em nada no dia em que o parcelamento foi rompido.

Portanto, o Refis deve ser rescindo desde o momento em que o contribuinte descumpriu as exigências e condições legais, recomeçando a contagem do prazo prescricional desde então, sem qualquer vinculação ou aguardo da portaria que excluiu “publicamente” o contribuinte.

As mesmas conclusões são cabíveis para o Paes (“Refis 2”) e Paex (“Refis 3”).

No caso do Paes (parcelamento especial), a Lei nº 10.684/2003 estatui em seu artigo 4º, inciso III:

“Art. 4º. O parcelamento a que se refere o art. 1º:

.......................................

III – reger-se-á pelas disposições da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, ressalvado o disposto no seu art. 14”.

Ademais, o seu artigo 7º determina que “o sujeito passivo será excluído dos parcelamentos a que se refere esta Lei na hipótese de inadimplência, por três meses consecutivos ou seis meses alternados, o que primeiro ocorrer, relativamente a qualquer dos tributos e das contribuições referidos nos arts. 1º e 5º, inclusive os com vencimento após 28 de fevereiro de 2003”.

Enfim, a exclusão do Paes se dá com a inadimplência, logo, a partir da sua configuração (três consecutivas ou seis alternadas) recomeça a contagem do prazo de prescrição.

No caso do Paex (parcelamento excepcional), as disposições são totalmente esclarecedoras, no mesmo sentido de que a rescisão se dá no momento do inadimplemento. Neste sentido, o artigo 7º da Medida Provisória nº 303/2006:

“Art. 7º. O parcelamento de que trata o art. 1o desta Medida Provisória será rescindido quando:

I - verificada a inadimplência do sujeito passivo por 2 (dois) meses consecutivos ou alternados, relativamente às prestações mensais ou a quaisquer dos impostos, contribuições ou exações de competência dos órgãos referidos no caput do art. 3o , inclusive os com vencimento posterior a 28 de fevereiro de 2003;

II - constatada a existência de débitos mantidos, pelo sujeito passivo, sob discussão administrativa ou judicial, ressalvadas as hipóteses do inciso II do § 3o do art. 1o.

III - verificado o descumprimento do disposto no parágrafo único do art. 2o desta Medida Provisória”.

O §2º do artigo 7º da MP 303/2006 espanca qualquer dúvida ao prever:

“§2º. A rescisão do parcelamento independerá de notificação prévia e implicará exigibilidade imediata da totalidade do crédito confessado e ainda não pago e automática execução da garantia prestada, quando existente, restabelecendo-se, em relação ao montante não pago, os acréscimos legais na forma da legislação aplicável à época da ocorrência dos respectivos fatos geradores”.

Por fim, com relação ao chamado “Refis da Crise” (“Refis 4”, parcelamento especial da Lei nº 11.941/2009) a situação já é bem diferente, porque o artigo 1º, §9º, da Lei nº 11.941/2009 expressamente exige a prévia comunicação ao sujeito passivo para se operar a rescisão, se não vejamos:

“§9º. A manutenção em aberto de 3 (três) parcelas, consecutivas ou não, ou de uma parcela, estando pagas todas as demais, implicará, após comunicação ao sujeito passivo, a imediata rescisão do parcelamento e, conforme o caso, o prosseguimento da cobrança”.

Logo, com exceção do “Refis da Crise” (Lei nº 11.941/2009), a legislação federal prevê que os parcelamentos devem ser considerados como “rompidos” no momento em que o contribuinte feriu as condições e requisitos legais, o que tem totalmente lógica porque a permanência do contribuinte no parcelamento depende do cumprimento das exigências legais; uma vez descumpridas tais exigências, o contribuinte não faz mais jus ao parcelamento e, por outro lado, a Administração Tributária tem o dever de cobrar o saldo remanescente do parcelamento imediatamente.

Destarte, com base nessas legislações federais, conclui-se que a Súmula nº 248 do TFR, acatada pelo STJ (1ª e 2ª Turmas), reconhece a abertura de um prazo prescricional que começa a correr da data em que o contribuinte descumpriu o acordo celebrado.[4] Uma vez esgotado esse prazo, o crédito tributário estará extinto, consoante artigo 156, inciso V, do CTN.

5. Confronto entre as decisões do STJ.

Retornando àquela (nova) posição jurisprudencial do RESP nº 1.216.171 (2ª Turma), o Fisco tem até cinco anos para rescindir o parcelamento, a contar não data em que o contribuinte deixou de cumprir o acordo celebrado, mas sim a contar da data em que ele cessou a causa de exclusão do parcelamento (v.g., adimpliu as parcelas atrasadas, “purgou a mora”), sob pena de decadência, ou seja, perda desse direito.

Todavia, na prática, não ocorrerá essa decadência do direito de rescindir o parcelamento, na medida em que o débito prescreverá necessariamente antes de expirar esse prazo decadencial, exceto quando a legislação exigir a prévia comunicação ao sujeito passivo, tal como ocorre com o artigo 1º, §9º, da Lei nº 11.941/2009 (Refis IV, “Refis da Crise”).

Trata-se, primeiramente, de um raciocínio lógico-matemático: levando em conta que os dois prazos possuem o mesmo tempo (de cinco anos), é óbvio que terminará primeiro aquele prazo que iniciou antes do outro. O prazo prescricional da Súmula 248 do TFR sempre começará primeiro, pois ele inicia “no dia em que o devedor deixa de cumprir o acordo celebrado”; ao passo que o prazo decadencial do RESP nº 1.216.171 somente começará, posteriormente, quando (e se) “cessar a causa de exclusão do parcelamento”.[5]

Com efeito, aproveitando os fatos narrados no RESP nº 1.216.171 (o descumprimento do Refis se deu em abril de 2001, quando o contribuinte pagou três meses consecutivos a menor), com base na Súmula 248 do TFR, esses débitos foram extintos pela prescrição em abril de 2006. Em outras palavras, essa súmula impede a fluência de um prazo paralelo (concomitante) de natureza decadencial!

Por outro lado, não há como conceber a fluência concomitante de dois prazos sobre uma mesmaprescricional; outro decadencial! Nesta discussão, salvo quando se tratar de rescisão condicionada a ato administrativo (caso, por exemplo, do Refis da Crise, vale repetir), não há como se falar em prazo decadencial, nem por analogia, como acabou entendendo forçosamente os ministros da 2ª Turma do STJ no RESP nº 1.216.171. O parcelamento é rompido automaticamente com simples aparecimento da causa de exclusão, independentemente de ato administrativo. Conforme visto no item anterior, a partir do descumprimento do acordo (do parcelamento), como o crédito tributário já está constituído, (re)inicia-se o prazo prescricional para o Fisco executar o devedor. O ato administrativo de exclusão terá um efeito meramente declaratório, não constitutivo. cobrança: um

Para reforçar a impossibilidade da fluência paralela desses dois prazos, a 1ª e 2ª Turmas do STJ também pacificaram o entendimento de que a prescrição extingue o próprio crédito tributário, a teor do artigo 156, inciso V, do CTN, não se aplicando as regras civilistas nesse assunto, o que viabiliza até mesmo o pedido de restituição de um tributo pago quando ele estava prescrito.

Neste sentido, a 2ª Turma do STJ no RESP nº 646.328:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. IPTU. ARTIGOS 156, INCISO V, E 165, INCISO I, DO CTN. INTERPRETAÇÃO CONJUNTA. PAGAMENTO DE DÉBITO PRESCRITO. RESTITUIÇÃO DEVIDA.

1. A partir de uma interpretação conjunta dos artigos 156, inciso V, (que considera a prescrição como uma das formas de extinção do crédito tributário) e 165, inciso I, (que trata a respeito da restituição de tributo) do CTN, há o direito do contribuinte à repetição do indébito, uma vez que o montante pago foi em razão de um crédito tributário prescrito, ou seja, inexistente. Precedentes: (REsp 1004747/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 18/06/2008; REsp 636.495/RS, Rel. Min. Denise Arruda, DJ 02/08/2007)”.

No mesmo diapasão, a 1ª Turma do STJ, conforme RESP nº 1.004.747:

“Há que se atentar para o fato de que a prescrição, na seara tributária, estampa certa singularidade, qual seja, a de que dá azo não apenas à extinção da ação, mas do próprio crédito tributário, nos moldes do preconizado pelo art. 156, V, do CTN. Tanto é assim que, partindo-se de uma interpretação conjunta dos arts. 156, V, do CTN, que situa a prescrição como causa de extinção do crédito tributário, e 165, I, do mesmo diploma legal, ressoa inequívoco o direito do contribuinte à repetição do indébito, o qual consubstancia-se no montante pago a título de crédito fiscal inexistente, posto fulminado pela prescrição”.

Logo, uma vez prescritas as dívidas, o contribuinte sequer teria legitimidade para pedir o parcelamento de um crédito tributário extinto, prescrito, inexistente.

Diante dessas considerações, para (tentar!) conciliar essas interpretações dadas pelo STJ, o entendimento exposto no RESP nº 1.216.171 somente poderia ser aplicado naqueles parcelamentos que exigem uma notificação prévia da exclusão (caso do “Refis da Crise”). Contudo, isso ainda não afasta a incoerência da coexistência de dois prazos (um prescricional; outro decadencial) sobre uma mesma cobrança.

Ocorre que o caso tratado nesse RESP nº 1.216.171 envolvia o “Refis 1” (2000), o que deveria ter afastado a aplicação daquele prazo decadencial.

Por outro ângulo, há que se cogitar de uma possível revisão de interpretação por parte da 2ª Turma do STJ. Mas, particularmente, entendo que também não é o caso, afinal de contas em nenhum momento foi enfrentada a Súmula 248 do TFR e os precedentes do STJ que a acompanharam. Outrossim, os fatos e pedidos levados à discussão não trataram da extinção dos débitos, limitando-se ao restabelecimento do parcelamento, à anulação do ato administrativo do Comitê Gestor que excluiu a empresa do Refis.

Sendo assim, não há como se manter e aplicar o posicionamento consagrado no RESP nº 1.216.171. Na hipótese de descumprimento do parcelamento, deve ser aplicada “tão-somente” a Súmula nº 248 do TFR (ratificada no RESP nº 762.935 e no AgReg nos EDcl no RESP nº 694.745).

6. Conclusões.

A 2ª Turma do STJ, no julgamento do RESP nº 1.216.171, enxergou um prazo decadencial para a Administração Tributária excluir um contribuinte do parcelamento, cujo dies a quo é o momento em que cessou a causa de exclusão (data em que o sujeito passivo “purgou a mora”). Portanto, o sujeito passivo que descumpriu um parcelamento poderia tê-lo convalidado pela decadência.

Por outro lado, o mesmo STJ, no RESP nº 762.935 (1ª Turma) e no AgReg nos EDcl no RESP nº 694.745 (2ª Turma), ratificou o teor da Súmula 248 do TFR, segundo a qual o prazo prescricionalno dia em que o devedor deixa de cumprir o acordo celebrado, logo, independentemente de comunicação (ato administrativo) por parte do Fisco. recomeça a fluir

Essas decisões são conflitantes, na medida em que, por uma questão matemática, prevalecendo o comando da Súmula 248 do TFR, o prazo prescricional sempre extinguirá a dívida antes de terminar o prazo decadencial; logo, a interpretação dada no RESP nº 1.216.171 nunca se realizará na prática, exceto quando a rescisão do parcelamento não prescindir de uma comunicação prévia (caso do “Refis da Crise”, diante do disposto no artigo 1º, §9º, da Lei nº 11.941/2009).

Ademais, não há como sustentar a existência paralela de dois prazos sobre uma mesma cobrança: prescrição para tomar as providências executivas judiciais; e decadência para excluir o sujeito passivo do parcelamento mediante ato administrativo.

Numa tentativa de conciliar esses dois entendimentos, pode-se, no máximo, restringir a aplicação do RESP nº 1.216.171 apenas para aqueles parcelamentos cuja rescisão depender de uma comunicação (de um ato administrativo), ou seja, quando a rescisão não for automática e concomitante com o descumprimento das regras pelo sujeito passivo. No entanto, essa postura ainda não retira a incoerência da coexistência de dois prazos (um decadencial; outro prescricional) sobre uma mesma cobrança.

Por outro lado, deve ser descartada a possibilidade de uma revisão da interpretação por parte da 2ª Turma do STJ, pois, em nenhum momento, foi cogitada a Súmula 248 do TFR e os precedentes do próprio STJ.

Enfim, são de decisões contraditórias e inconciliáveis, cabendo à 2ª Turma do STJ rever o seu posicionamento consignado no recente RESP nº 1.216.171, afastando a possibilidade de um prazo decadencial para a Administração Tributária rescindir um parcelamento descumprido pelo sujeito passivo, na medida em que, na data deste descumprimento, recomeça a fluir o prazo prescricional para as providências judiciais.



[1] Neste sentido, o artigo 155-A, caput, do CTN: “O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica”. Quando o parcelamento vier acompanhado de anistia ou remissão, a lei específica se torna também uma exigência de índole constitucional, consoante artigo 150, §6º, da Lei Maior: “Qualquer subsídio ou isenção, redução da base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a imposto, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, §2º, XII, g”.

[2] Segundo o artigo 401 do Código Civil Brasileiro, “purga-se a mora: I – por parte do devedor, oferecendo este a prestação mais a importância dos prejuízos decorrentes do dia da oferta; II – por parte do credor, oferecendo-se este a receber o pagamento e sujeitando-se aos efeitos da mora até a mesma data”.

[3] Súmula 248: “O prazo da prescrição interrompido pela confissão e parcelamento da dívida fiscal recomeça a fluir no dia em que o devedor deixa de cumprir o acordo celebrado”.

[4] Diante da particularidade existente no §9º do artigo 1º da Lei nº 10.941/2009, para o “Refis da Crise” o prazo prescricional começará a correr da data em que o sujeito passivo for comunicado do ato de exclusão.

[5] Salvo naqueles parcelamentos cuja lei exigir uma comunicação prévia ao sujeito passivo para se concretizar a rescisão.

Última modificação em Quarta, 15 Março 2017 03:23

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