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ISS SOBRE O LEASING: NÃO SE APLICA O ART. 166 DO CTN PARA CONDICIONAR O LEVANTAMENTO DO DEPÓSITO JUDICIAL

Omar Augusto Leite Melo

Como se sabe, no RESP nº 1.060.210, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça alterou sua orientação jurisprudencial acerca do local de ocorrência do ISS sobre o leasing, canalizando a cobrança em prol dos (pouquíssimos) Municípios que servem de sede para as arrendadoras mercantis.

22 Abr 2014 0 comment
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Ocorre que houve contribuintes que depositaram em juízo o ISS em favor de alguns Municípios, que chegaram, inclusive, a levantar parte desse dinheiro. Agora, diante da derrota judicial sofrida, esses Municípios precisarão devolver para as arrendadoras mercantis o montante (milionário, em alguns casos) levantado dos depósitos judiciais realizados.

 

Na tentativa de protelar ou, até mesmo, de se furtar dessa obrigação de devolver o valor levantado, esses Municípios estão tentando invocar o artigo 166 do Código Tributário Nacional:

“Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la”.

Particularmente, não vejo chances de êxito nessa tentativa (ou “teimosia”) fiscal, a não ser que a intenção seja (imoral e) meramente procrastinatória, quando, então, o Prefeito atual pode “empurrar” essa dívida para seu sucessor ou, quem sabe, para um próximo mandato!

Em primeiro lugar, enxergo uma inconstitucionalidade flagrante nessa conduta fiscal: violação ao princípio constitucional da moralidade administrativa (artigo 37, caput, CF).

Com efeito, olhando para o lado do contribuinte, percebe-se uma dupla “punição” ou injustiça: além de ter perdido a disponibilidade sobre o dinheiro depositado; agora, ele se vê na dificuldade de receber aquilo que faz jus, pois o Município gastou o “seu” dinheiro e cria dificuldades e novas demandas judiciais para se furtar de sua responsabilidade. E mais: o contribuinte que depositou em juízo o montante cobrado agiu de boa-fé, e dentro de um conservadorismo que beneficiou o próprio Fisco Municipal, na medida em que não apenas “garantiu” o débito, como, também, permitiu o uso “provisório” desse dinheiro, como se fora um “empréstimo” com prazo de devolução condicionado à derrota judicial.

Sob o ângulo da isonomia, veja só que contradição (também inconstitucional): o contribuinte que nunca depositou em juízo encontra-se numa situação muito mais favorável do que o contribuinte que não fez tal depósito: além de se manter na disponibilidade do dinheiro, esse contribuinte (que, com certeza, é a maioria), não forneceu nenhuma garantia ou, então, não apresentou nenhuma garantia com tanta liquidez como o depósito judicial em dinheiro.

Por outro lado, o Fisco Municipal que levantou e usou esse dinheiro estaria sendo privilegiado frente aos demais; e, o que é pior: esses Municípios deveriam ter se precavido e provisionado a devolução desse dinheiro. Se isso não foi feito, estamos diante de uma irresponsabilidade fiscal, eis que o provisionamento era o mínimo que se esperaria da Administração Pública. Ora, por mais favorável que era o contexto judicial de êxito da demanda (chances prováveis de vitória por parte do Município), na medida em que contava até com precedente do próprio STJ, é óbvio que o administrador público deveria ter sido mais responsável com esse dinheiro que detinha praticamente como um mero depositário, e não como seu titular.

Agora, indo para o artigo 166 do CTN, não tenho a menor dúvida de que não cabe a sua aplicação no caso de depósito judicial.

O artigo 166 do CTN se refere a “pagamento indevido”. Depósito judicial não é pagamento, tanto que nem tem condão de extinguir o crédito tributário, mas apenas de suspender a sua exigibilidade, conforme artigo 151, II, do CTN.

Ademais, para um tributo ser classificado como imposto indireto (“tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro”, na redação do citado artigo 166), é necessário que haja um pagamento, e não um depósito. O depósito pressupõe uma dúvida, uma situação em que o contribuinte (nem o Fisco!) sabe se ganhará ou perderá a demanda; logo, não há como considerar esse depósito como uma transferência do encargo para o consumidor/cliente.

Para fins de dedução do IRPJ e da CSLL, há um entendimento pacificado no STJ de que esses depósitos judiciais somente se tornam despesas dedutíveis quando o processo se encerrar em desfavor do contribuinte, ou seja, até o trânsito em julgado do processo, esses tributos depositados em juízo não podem ser lançados como custos ou despesas da atividade. Ora, isso necessariamente implica em reconhecer que os encargos decorrentes de tais valores depositados não foram “transferidos” para o cliente/consumidor.

Finalmente, vale dizer que o Superior Tribunal de Judicial já se pronunciou sobre esse assunto em comento, decidindo pela não aplicação do artigo 166 do CTN para as hipóteses de depósito judicial em dinheiro. Neste sentido, o recente RESP nº 1.377.781, Primeira Turma, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. 10/12/2013, DJ-e de 04/02/2014, cuja ementa está assim redigida:

“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC. ICMS INCIDENTE SOBRE SERVIÇOS PREPARATÓRIOS AO DE COMUNICAÇÃO. SEGURANÇA CONCEDIDA A FAVOR DA RECORRIDA. DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO. OFENSA AOS ARTS. 162, § 2O., 471 E 473 DO CPC NÃO CARACTERIZADA. ACÓRDÃO A QUO QUE DETERMINOU O LEVANTAMENTO DE DEPÓSITO ADMINISTRATIVO REALIZADO PELA EMPRESA DE TELEFONIA COM SUPEDÂNEO EM LEI ESTADUAL PARA SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO (LEI MINEIRA 6.763⁄75, ART. 212). NEGATIVA DO FISCO ESTADUAL EM DEVOLVER O VALOR DEPOSITADO CALCADA NA NECESSIDADE DE PROVA DO NÃO REPASSE DO TRIBUTO AO CONTRIBUINTE DE FATO. INAPLICABILIDADE DO ART. 166 DO CTN. HIPÓTESE QUE NÃO SE CONFUNDE COM A DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DEPÓSITO VINCULADO AO TEOR DA DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO, QUE, NO CASO, FOI FAVORÁVEL À RECORRIDA. DISCUSSÃO SOBRE A TITULARIDADE DO DINHEIRO DEPOSITADO A SER TRAVADA EM OUTRA SEDE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CARACTERIZADO. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA ENTRE OS CASOS CONFRONTADOS. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO.

.............................................................................

3.A tese suscitada pelo Estado de Minas Gerais é de que o dinheiro depositado pela recorrida não lhe pertence, já que há o repasse do tributo recolhido pelo consumidor de direito aos consumidores de fato; assim, o levantamento pretendido acabaria por beneficiar indevidamente quem não sofreu o encargo, importando em enriquecimento ilícito, razão pela qual teria incidência, no caso, o disposto no art. 166 do CTN.

4.O ICMS é destacado nas contas telefônicas e repassado aos tomadores dos serviços de telefonia (contribuintes de fato), que são aqueles que efetivamente suportam o encargo financeiro do tributo.

5.Todavia, é inadmissivel subsumir o caso concreto à norma do art. 166 do CTN, expressamente endereçada à situação de restituição ou repetição do indébito tributário, isto é, quando há pagamento indevido de tributo.

6.Na hipótese, ocorreu o depósito administrativo, fundado em Lei Estadual e autorizado pela Fazenda Estadual como forma de suspensão da cobrança do crédito tributário, enquanto discutia-se judicialmente a legalidade da incidência do tributo. Há uma decisão transitada em julgado afirmando exatamente a ilegalidade dessa cobrança, e a mesma Legislação Estadual, como frisou o acórdão impugnado, impõe a devolução do dinheiro depositado nestes casos.

7.A discussão sobre a titularidade do dinheiro depositado deve ser travada entre contribuintes de direito e de fato, se for o caso, em outra sede, porquanto assentado, definitivamente, ser indevida a cobrança do tributo, não pertencendo o montante, portanto, ao ente Estatal Estadual, que não pode sujeitar a devolução à prova do não repasse, uma vez que essa condicionante não constava da Legislação Estadual e não foi objeto de prévio acerto entre as partes, surgindo como empecilho apenas na hora do levantamento pretendido.

8.A decisão proferida no mandamus, entendendo indevidos os valores relativos ao ICMS sobre a instalação de linhas telefônicas e serviços similares, possui eficácia plena, independente, portanto, de qualquer outra providência, impondo a Fazenda Pública, mormente em razão do teor da Legislação Estadual e do princípio da boa-fé objetiva, devolver o depósito efetuado apenas para a suspensão da cobrança do crédito tributário durante a discussão judicial.

9.A função do depósito é instrumental, de garantia do pagamento do tributo; ele está vinculado, portanto, à decisão que vier a transitar em julgado e, no caso, essa decisão foi favorável ao contribuinte (RESP 547.706⁄DF, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ 22.03.2004).

(...)”

Enfim, não vai prevalecer esse entendimento que alguns Municípios levarão ao Judiciário para tentar fugir da obrigação de devolver o montante em dinheiro depositado em juízo pelas arrendadoras mercantis, que foram levantados e gastos pela Administração Pública Municipal. O artigo 166 do CTN não se presta para esta situação, e nem poderia chegar a tal raciocínio imoral e inconstitucional.

 

Última modificação em Quarta, 15 Março 2017 03:28

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